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ENTREVISTA: RAUL JUNGMANN REBATE MORO E CRITICA POLÍTICA DE SEGURANÇA DE BOLSONARO

O ex-ministro da Defesa e da Segurança Raul Jungmann criticou a política de drogas do governo Bolsonaro e a sede por prisão.

“Essa política de drogas que aí está não faz uma distinção entre o traficante, que deve ser preso e isolado, e o usuário. Mas a população fica inteiramente barbarizada, e quer que prenda. Ninguém quer saber o que acontece na prisão”, disse, em entrevista à coluna.

Jungmann falou dos recados que deu a seu sucessor, Sergio Moro, no Twitter, dizendo que a melhora nos índices na verdade se deve à sua gestão.

Leia a entrevista:

O senhor recentemente rebateu seu sucessor, Sergio Moro, ao dizer que a queda de crimes é resultado de sua gestão no governo Temer.

Antes do Michel Temer, o Brasil não tinha um Ministério da Segurança Pública. Você tinha ministério da Previdência, Esportes, Cultura, Assistência Social, toda a área social da Constituição de 1988, menos segurança. Não tínhamos um sistema nacional de segurança pública. Só dos estados. Havia planos de segurança, mas eles duravam apenas o mandato de cada ministro. Criamos o Sistema Único de Segurança Pública, que envolve União, estados, municípios, Ministério Público, polícias, Forças Armadas e Judiciário. Foi uma grande conquista. Em 2018, as estatísticas de homicídio começaram a cair, e continuam caindo em 2019. Além disso, o protagonismo, antes e agora, é dos governos estaduais. 85% de todo o pessoal de segurança pública é dos estados.

Jair Bolsonaro e Sergio Moro têm o costume de divulgar queda nos índices de criminalidade. Foi uma plataforma central na campanha eleitoral.

Cada um tem um modo de divulgar. Não acredito que exista da parte do ministro um dolo com relação a isso. Mas, de qualquer sorte, é uma continuidade. A queda começa em 2018 e continua em 2019. Há várias fontes de dados desse tema, como o Anuário da Violência, ou o Monitor da Violência. Contudo o mais confiável sobre a mortalidade violenta é o do DataSUS, que computa todos os dados de morte do Brasil, mas com um ano de diferença. Então, o dado que você tem agora é o relativo a 2018. Você só vai ter 2019 no ano seguinte.

Qual a principal carência da segurança pública no Brasil?

É preciso olhar para os jovens. É como se houvesse uma banheira transbordando. Em vez de você fechar a torneira, fica só tirando água com o balde. 55% dos 812 mil presos no Brasil, a terceira maior população carcerária do mundo, são jovens. Ou você começa a tratar a questão da segurança na prevenção, tendo programas de cultura, educação, esporte, assistência para essa juventude de periferia, ou não tem repressão que dê conta. Trata-se de uma juventude negra, parda e pobre, geralmente com famílias desestruturadas. Claro que a repressão é importante, desde que qualificada e baseada em inteligência, mas a prevenção é essencial.

Como avalia a política de drogas?

Essa política de drogas que aí está não faz uma distinção entre o traficante, que deve ser preso e isolado, e o usuário. Enquanto não acontecer isso, você vai estar jogando milhares de jovens em cadeias controladas pelas facções criminosas. Vão se tornar soldados do crime organizado. Uma sociedade não pode ser egoísta ao ponto de não estender a mão para essa juventude. Mas a população fica inteiramente barbarizada, e quer que prenda. Ninguém quer saber o que acontece na prisão. A violência que as pessoas sofrem na rua é em grande medida coordenada por esses jovens que passaram pela prisão. Mas isso permanece obscuro. Aí a alternativa é mais armas, o que não soluciona nosso problema.

O senhor ainda defende a federalização do caso Marielle?

Sim. Não existem condições suficientes para esclarecer o crime no Rio de Janeiro. Desde sempre, defendi a federalização, assim como a doutora Raquel Dodge. A federalização desse caso é decisiva para chegar aos mandantes. Não dá para o olhar para o caso Marielle sem olhar para a situação do Rio de Janeiro. 830 comunidades são controladas pelas milícias, narcotráfico e crime organizado. Aproximadamente 1,7 milhão de cariocas vivem sob regime de exceção, sem direitos constitucionais, num estado paralelo. Quem controla a comunidade, controla o voto das pessoas, e elege seus aliados para a Câmara Municipal, Assembleia Estadual e Congresso Nacional. O Rio de Janeiro vive uma metástase. O crime organizado se aliou à política, e vice-versa. A milícia tem voto e recursos para a política, e a política dá cobertura à milícia. É um troca-troca, uma aliança. Há uma bancada do crime.

O partido mais provável para abrigar Luciano Huck é o Cidadania, que o senhor ocupou por 26 anos. Como avalia Huck candidato?

Qualquer pessoa que entra para a política é muito bem-vinda. O Huck traz um ativo de capacidade de comunicação com as classes C e D. Mas o terreno da política é o terreno da guerra, do confronto. Não é uma passagem fácil, especialmente para um homem de sucesso como ele. Para se recompor, o centro não pode apenas ficar na nota do ajuste fiscal. A desigualdade social é imensa.

O que o senhor tem feito após sair da política?

Tenho trabalhado na área de relações institucionais no Porto Digital, um cluster de tecnologia em Recife. Esse centro reúne 320 startups. Também tenho um projeto de criar um think tank na área de defesa. Estou conversando com um pessoal da USP. O Brasil não debate defesa ou suas Forças Armadas. Fica só na segurança pública. De quatro em quatro anos, o Congresso tem a possibilidade de discutir a política de defesa nacional, o que fazem e o que querem os militares, mas não discute. Simplesmente aprova o plano, de maneira burocrática, sem fazer uma emenda. A Defesa tem o quarto maior orçamento da Esplanada.

O senhor ainda volta para a vida partidária?

Não tenho planos. Preciso observar 2020. Não vejo nenhum problema em voltar à administração. Mas disputar cargos, não. Seguramente encerrei essa fase.

Fonte: epoca.globo.com

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